segunda-feira, janeiro 31, 2005

por André de Oliveira


Segundo Santo Tomás de Aquino, Deus é o primeiro na ontologia mas é o último na psicologia. Portanto, o reconhecimento de Deus pelo homem depende da forma como ele vê a si próprio e o mundo que o cerca. Quanto maior sua capacidade de perceber a intensidade do real, mais próximo fica da percepção de Deus.

Quanto mais afastado do homem, menos real parece o mundo. Quem acha que os fatos que ocorrem à sua volta nada têm a ver com ele, está afastando a realidade de si mesmo e tornando menos intensa a sua percepção, e menos intensa também a percepção se si próprio. Só se pode ter uma atitude assim depois que a realidade já se tornou tão intensa que a pessoa já atingiu um outro estágio, no qual sua relação com ela se dá num outro nível, e nele a presença de Deus é bem mais perceptível.

Os cientistas modernos, por exemplo, partem do princípio de que é preciso isolar a realidade para poder entendê-la. Esta é, como se vê, a melhor maneira de empalidecê-la. Não se pode dizer que com isso não se torne mais compreensível, mas é a compreensão apenas da sombra da realidade. No entanto, é impossível fazer isso por muito tempo. A própria realidade acaba chamando você de volta, e é preciso muita insistência para não perceber isso.

A Física Quântica, por exemplo, demonstra bem esse fato. Após chegarem ao limite, descobriram que o experimentador faz parte da experiência, ou seja, que é impossível isolar o experimento, pois o observador interfere ativamente nele. Nesse ponto, a intensidade da realidade voltou a ser percebida em todo seu grau, e é justamente aí que ela se mistura com a vida do pesquisador. É por isso que muitos dos cientistas que se aprofundaram na Física Quântica passaram a perceber uma outra realidade, que não conseguiam ver antes. Muitos, sem o substrato para compreender o que era aquilo, e sem a humildade suficiente para mudar o rumo de suas vidas, mergulharam num misticismo paranóico.

A realidade para um cientista moderno é apenas um dado de estudo, sem nenhuma relação com o seu eu. E ele é apenas a sombra de um homem, e essa sombra não tem a mínima condição de perceber a presença de Deus.

por Adalberto de Queiroz

*Para o amigo Fábio Ulanin


Pensava que talvez a proximidade do Carnaval fosse a causa da aridez de temas novos, até que folheando um velho livro do inglês Gilbert Keith Chesterton, uma frase sublinhada na página se ofereceu como a fruta madura da mangueira vizinha: “a seriedade emana dos homens naturalmente, enquanto o riso é como um salto.”

Dia desses, numa manhã em que encontrei a adequada mistura de sonatas e cafeína, anotara um novo aforismo: “rir demais de tudo é como afogar-se em açúcar de confeiteiro”.

O riso pode advir do dia-a-dia, sim, sem que nenhum autor o provoque, mas o comum é que seja fruto da provocação simples ou profissional de um agente: o humorista. Usando o senso lúdico, este alcança o que o normal dos homens não encontrou como equilíbrio do riso – o salto, a pirueta, por vezes atingindo a graça de um riso rarissímo – uma espécie de “duplo twist carpado” do humor.

Noutra medida, pode-se pensar como Gustavo Corção para quem o humorismo seria “uma espécie de poesia dos canhotos”. Aceita a classificação dos humoristas em poetas do riso restringe-se o grupo destes a um conjunto bem pequeno, enquanto em quantidade pululam, mesmo, o dos humoristas profissionais que mais pendem para aquele riso que sufoca como o dito açúcar de confeiteiro.

O restrito conjunto dos que fazem humor mais próximo da poesia incluíria Chesterton, Machado, Dickens, Millôr, entre outros que o leitor achará em sua memória afetiva do melhor riso. Mas há os que, ao contrário desses, praticam aquele outro tipo de humor que, conforme Gabriele Bretzke, “incita ao deboche ou à zombaria sarcástica”, associados, por exemplo, a temas políticos e meramente eróticos. O que concorda com uma observação de Gustavo Corção:

"Entendendo por humorismo, quanto à forma, o que fizeram Chesterton, Machado e Dickens, reconheceremos que o engraçado, o cômico, a palhaçada, a anedota, pelo que têm de excessivo, desatado e enfático, parecem-se mais com os discursos políticos do que com a obra daqueles três autores.”

A professora Gabriele que, recentemente comentando o best-seller de C.S.Lewis, “Screwtape Letters” (1) - as famosas 31 cartas de um diabo a seu sobrinho - ressaltou que “C.S. Lewis - com insuperável sutileza - mostra o caráter problemático que há no humor que se alimenta de zombaria e escárnio e não da verdadeira e desinteressada alegria”. Há nessa espécie de humor um senso de proporção, uma espécie de equilíbrio poético e de economia narrativa.

Aprende-se com C.S. Lewis, outro inglês bem-humorado, que o lugar do riso não é o mesmo do esgar, do trejeito, da careta medonha que se opõe à alegria desinteressada. Só a geografia do riso é a mesma: a boca do que sorri. Mas a alma do que sorri, separa bem aquela lama do esgar do límpido riso desinteressado e puro. Esses distam entre si com o mesmo e extenso vale que separa a gargalhada macabra do sorriso da criança. O riso da criança, este sim mais próximo do poeta e do humor, é leve como uma gag de Monsieur Hulot, na criação fílmica de Jacques Tati.

E já que aprendemos com Chesterton e C.S.Lewis que “a seriedade demasiada não é uma virtude”, tentemos o salto, praticando o riso sadio, certo de que este não é o texto mais convincente para convencê-lo ao salto. Confessa o cronista não ter nem de longe o senso de humor de GKC, que concluiu: “é mais fácil escrever um editorial para o Times do que uma boa piada para o Punch”; o que, transposto para nossos dias, seria como comparar um editorial para “O Globo” a uma anedota para o Pró Tensão.

domingo, janeiro 30, 2005

Este é o novo Oito Colunas. O próximo post será publicado provavelmente amanhã.