segunda-feira, julho 18, 2005



por Diogo Costa


Nunca saia de casa sem um livro à mão. Assim, cada vez que passar por um outdoor, sinal, letreiro ou faixa, que um erro de concordância invadir sua paz interior, abra imediatamente o livro e retome o seu estado inicial com a leitura de um ou dois parágrafos. Mas, atenção, se for passar mais de uma hora na rua, um livro com menos de 200 páginas pode não ser o suficiente.

Basta sair de casa para testemunharmos a multidão de imbecilidades que decoram nosso país. A ignorância é nosso patrimônio nacional, disse Paulo Francis. De passado glorioso e futuro promissor, adicionaria Roberto Campos. Houve quem duvidasse, mas as mãos de Lula recebendo a faixa presidencial foi a prova dos nove.

Não que o analfabetismo indique necessariamente burrice, mas a persistência nos erros gramaticais é um sintoma claro, talvez o mais estampado - e colado, pintado e impresso em tudo quanto é lugar. Não duvidaria de alguma estatística revelasse haver, nas ruas, mais crases indevidas que corretas. E, se bobear, ainda vão escrever istatística assim, com “i”.

Aqueles com poucos recursos ainda têm a desculpa de se preocuparem mais com a sobrevivência do que com a gramática. Mas o mal não se restringe a eles. É a classe universitária, a primeira a escrever mal. Bem ali, no profile do Orkut. Se vivesse atualmente, o personagem do conto “O Colocador de Pronomes”, de Monteiro Lobato poderia dedicar o resto da sua vida e não conseguiria ratificar todos os erros encontrados nos sites brasileiros. Engoliria o mouse em suicídio.

O que incomoda ainda mais é que essa deve ser a manifestação de ignorância mais fácil de sanar. Depois do Google, não há nome difícil de soletrar, mas insistimos. A Carol poderia, em 0.16 segundos, descobrir como se escreve “Ashton Kutcher”. O Ricardo, ao redigir o cardápio da lanchonete, poderia consultar se misto é com “x” ou com “s”. É tão, mas tão fácil descobrir. Basta abrir um dicionário, ou procurar se informar com alguém que saiba. Será que, em algum momento não surge a dúvida sobre determinada grafia? Antes de lançar a crase sobre o “a” que precede “quilo”, alguém não se pergunta se está empregando corretamente o acento? E o que ela faz com essa dúvida? Manda passear e põe a crase assim mesmo.

Olha que o esforço do qual falamos se resume em abrir um livro, um site de busca, ou se informar sobre uma regra clara, indiscutível e de fácil acesso. Se as pessoas faltam com o zelo às dúvidas mais banais e ligadas à sua reputação, o que podemos esperar de sua reação às questões mais difíceis? Se em algum momento essas pessoas questionam-se sobre o que é ser de “esquerda” ou “direita”, você acha que ela vai perder tempo procurando se informar sobre os conceitos? Não me parece muito provável. E não é por falta de acesso ao conhecimento, mas por falta de amor ao conhecimento, de querer conhecer. O Brasil padece da falta da “filosofia” em seu sentido mais literal e rudimentar.

Talvez esse seja nosso grande patrimônio nacional: a falta de querer conhecer. Crianças entram na escola para saírem adultos em busca de um diploma que lhes permita tentar um concurso público. São movidas pelo interesse de ganhar diploma e dinheiro. Mas nenhuma delas está a fim de conhecer. No Brasil, qualquer aprendizado que não corresponda a um interesse direto é acidente de percurso. E ai da verdade que contradisser o interesse próprio do sujeito. É logo desprezada, ridicularizada ou despedida com pronta arrogância.

Só que essa motivação não adianta nada para a política, onde o interesse próprio não faz muito para incentivar a busca de conhecimento. Democracias sofrem do que economistas chamam de “problema de informação”. Não vale a pena perder tempo estudando planos de governo e ideologias políticas quando seu voto é um entre dezenas de milhões.

Tomemos o seguro de saúde como exemplo. As pessoas gastam tempo e dinheiro analisando os vários planos de saúde porque sua decisão lhes influenciará diretamente. Podem decidir se querem o plano básico com o menor custo ou se querem uma melhor e mais cara assistência. Já quando tratamos do sistema de saúde público, o cidadão que quer o plano mais barato vai precisar: 1- aguardar e investigar se algum dos candidatos da próxima eleição concorda com ele; 2- se encontrar, aceitar todo o pacote político desse candidato em assuntos dos quais discorda, como política ambiental, ou verbas militares; 3- ainda que aceite o pacote, ele precisará convencer outras milhões de almas a votarem junto com ele. 4- Torcer para que não sejam criados obstáculos para passar o projeto de lei, e que haja maioria no congresso. A diferença entre os esforços exigidos pelo mercado e pela política para que sua decisão seja eficaz é ridiculamente desproporcional.

Portanto, como entender política não fará muita diferença no seu cotidiano, o brasileiro comum pouco se importa. Episódios de corrupção são o que pode haver de mais entusiástico sobre a política, porque lançam novas fofocas nos botequins e pontos de ônibus. De menos entusiástico há o estudo de teorias políticas, coisa que, para surtir efeito prático, necessita do sucesso de um movimento de larga escala. Cabe à elite a curiosidade e a compreensão para divulgar as idéias à massa. Mas, quando a elite se mostra a primeira a mandar o conhecimento às favas, quem vai estudar e ensinar política? O máximo que a meia-dúzia de exceções pode fazer é servir de caixa de ressonância do exterior para o território nacional.

E lembre-se que esse texto enfatiza a política, apenas. O que diremos sobre outros campos do conhecimento em que os efeitos práticos parecem ainda mais obscuros ou desnecessários, como a religião e a própria filosofia? Aproveitemos o rótulo de país do futuro enquanto nos lembramos dos tempos verbais.

quinta-feira, julho 14, 2005



por Octavio Motta

Uma das posições mais extremadas existentes é a posição do meio termo. Sempre querem um meio termo. Vêm armados com um arsenal de clichês. A turma do deixa disso, dos panos quentes. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Tudo em moderação. Nem oito nem oitenta. E por ai vai.

Comportamento patológico que chega às raias do surrealismo. Você afirma que 2+2=4. Outro, por que motivos sejam, diz que 2+2=5. A turma do meio termo que te convencer que, na verdade, a reposta certa é quatro e meio.

São sempre manipulados pelo lado que está errado. Errar é fácil, acertar é difícil. O meio termo entre o erro e o acerto ainda é um erro. Querendo-se a reposta de dois mais dois, quatro e meio é tão errado quanto cinco. A turma do deixa disso entrega o que é certo de mão-beijada em nome de uma vaga noção de tolerância e diversidade. Tudo isso se encaixa no esquema de ditadura do relativismo, termo cunhado pelo Cardeal Ratzinger. Quem acredita em algo de maneira clara e madura é tomado por fanático. Em resumo, os relativistas fanáticos não aceitam que alguém não seja relativista.

Existe uma anedota no mundo jurídico que sempre existe uma teoria mista. Se você não conhece nenhuma teoria sobre um tema, você favorece a teoria mista. Porque sempre tem uma teoria mista. Alias, praticamente só existe a teoria mista. Talvez seja um cacoete de quem leu Hegel e, tragicamente, levou a sério essa patuscada de tese, antítese e síntese. Ostensivamente encontra-se um semiletrado pedindo que você deixe disso, porque sempre tem um meio termo. Um meio termo entre a verdade e a mentira é outra mentira, Dr. Mirandinha!

O mundo vive na teoria mista. Você vive na teoria mista, e nem sabia. As revoluções liberais deram a todos direitos fundamentais inalienáveis na forma de restrições ao poder Estatal. As liberdades de locomoção e expressão indicam que o Estado deve abster-se de praticar ações que lhe tolham esses direitos. Os direitos sociais, contudo, como o nome indica, vem do socialismo, e consistem em ações que o Estado deve e pode exercer para tolher seus direitos individuais em nome de direitos coletivos. Forcosamente quem decide o que o coletivo quer? O estado. Pronto, os direitos coletivos erodem os direitos individuais. Você tem direito à propriedade, a menos que o Estado decida que é melhor toma-la de você em nome da sociedade. Você tem direito aos frutos do seu trabalho a menos que o Estado resolva tungar metade do que ganha com impostos, em nome, claro, do coletivo.

Nem os EUA estão a salvo, pois recentemente a corte suprema deles tomou uma decisão pela qual o Estado pode confiscar propriedade e entrega-la a grandes empresas caso isso vá produzir mais impostos. Isso foi uma derrota do capitalismo porque erode o direito de propriedade privada. Foi uma vitória do socialismo. Mas é difícil explicar isso no Brasil, que confundo capitalismo com grandes empresas e socialismo com povo. Quando o governo pega metade do que um honesto trabalhador ganha em nome de impostos diretos e indiretos, isso é socialismo.

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domingo, julho 10, 2005


por André de Oliveira
Ao roubar o fogo de Zeus, Prometeu permitiu que o intelecto (simbolizado pelo fogo) fugisse do controle do Espírito (simbolizado por Zeus). O episódio representa a revolta do intelecto contra o Espírito. A inteligência humana só serve ao Bem quando se deixa guiar pelo Divino. Toda tentativa de escapar dessa lei trará sempre conseqüências nefastas ao próprio homem.

A perversidade iniciada por Prometeu é complementada por seu irmão Epimeteu, cuja característica é agir antes de pensar, ou seja, nele já há uma total inconsciência da presença divina, pois a Theoria é Deus e a práxis é o homem. A práxis sem referência à Theoria perde toda a realidade, transformando-se num absurdo total.

Descartes foi o Prometeu do mundo moderno. Virando as costas para o Espírito, criou uma filosofia fundamentada num Eu artificial e abstrato, e portanto inexistente, referindo-se a Deus apenas para salvar as contradições de suas idéias. Usou a mesma tática de Prometeu, que, desejando fugir ao controle do Espírito, mas reconhecendo que o próprio intelecto é uma dádiva sua, tentou furtá-lo de Zeus, porque seria a única maneira de dar continuidade ao seu projeto.

Epimeteu já não reconhece sequer a existência de Deus. É a própria animalidade. O mundo moderno teve vários Epimeteus, mas o que exerceu maior influência e se tornou mais conhecido foi Karl Marx. Assim como o irmão de Prometeu, ele nunca considerou a existência do Espírito. Ao contrário, parte de sua teoria já se inicia tentando justificar as razões pelas quais alguns homens acreditam em Deus. Além disso, ele mesmo afirmou que o objetivo da nova filosofia deveria ser o de parar de pensar o mundo e tratar apenas de transformá-lo, exatamente como fazia Epimeteu, agindo antes de pensar.

O capitalismo é filho de Prometeu. O comunismo de Epimeteu. A única forma de melhorar o mundo é devolver o intelecto ao Espírito, ou seja, permitir que o sistema capitalista seja guiado pela moral judaico-cristã. Ao desfazer o projeto de Prometeu, estaríamos desfazendo também o de Epimeteu, que é apenas um complemento do irmão, assim como o comunismo é um complemento do liberalismo ateu.

Atualmente, o que está acontecendo é o oposto, ou seja, capitalismo e comunismo se complementam perfeitamente, um servindo-se do outro na sua revolta contra o Espírito. A única resistência a esta comunhão anti-espiritual em todo o mundo é um pequeno grupo de conservadores americanos, que às vezes erram tentando roubar o fogo de Prometeu, em vez de tentar convencê-lo a devolver o que não é dele.

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