segunda-feira, fevereiro 21, 2005

por Mauricio Amaral

“Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor as montanhas e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, neste caso, é a destruição; a guerra, a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. (...) Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”.

O texto, naturalmente, é de Machado de Assis, que fala através de Quincas Borba para o atento mas limitado interlocutor Rubião, que chega ao fim da história enlouquecido pelos acontecimentos que se desenrolam. No fim, da boca de um Rubião enfermo, moribundo, o que se ouve é a reprodução insistente daquele postulado metafórico: ao vencedor, as batatas. As batatas são a premiação pela vitória, ou a garantia da sobrevivência mesma, depende do ponto de que se observa. Mas, evidentemente, Rubião desperdiçou a oportunidade de fazer a grande pergunta: e se não há batatas em abundância lá adiante para serem repartidas? Um bom discípulo de Quincas Borba poderia explicar que, neste caso, tanto os despojos dos vencidos, como as próprias batatas, seriam motivos de guerra dentro da tribo vencedora, que, provavelmente, se dividiria para repetir a operação. Tudo de acordo com a idéia humanitas – princípio elaborado e defendido pelo mestre.

E o que tudo isto tem a ver com o carnaval da Bahia? Nada, provavelmente. Exceto por alguns lampejos que perpassam a minha cabeça fora de sintonia com a axé music e os seus montes de reis e rainhas. Lampejos que provavelmente não conseguirei explicar, mas que, ainda assim, levaram-me a escrever sobre o assunto.

O carnaval de Salvador está cada vez pior. Além das “músicas de adestrar macacos”, na feliz expressão de Marcelo Nova, agora temos que agüentar aprendizes de Duda Mendonça espalhando outdoors de uma cretinice ímpar, nomeando os cantores-destaque, as cantoras-revelação, os blocos preferidos, tudo uma semana antes de acontecer a festa. Não fosse um marketing de oitava categoria, poderiam os seus autores passar a fazer previsões econômicas, tendo em vista o percentual de acerto dos prognósticos. O maior investimento, a se medir pela quantidade de cartazes, foi em cima de uma banda de nome “rapazola”, cujo vocalista se chama Tomate (pronto. Aqui talvez já haja o ponto de aproximação com minhas alucinações. Batata, tomate...).

Não sei se os argentinos se orgulham de ser o povo mais antipático do mundo, mas o fato é que os baianos enchem o peito para dizer que Salvador faz o “melhor carnaval de rua do mundo”. E adoram contrapô-lo ao do Rio, “elitista” e “para inglês ver”. Os cariocas, por sua vez, ignoram a disputa e investem no glamour do sambódromo. Minha avó diria, com sabedoria, “dou um pelo outro e não quero troco”. Boa briga. Ao vencedor, as batatas. Ou o Tomate. Tanto faz.

6:27 PM

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