quinta-feira, fevereiro 03, 2005


por Tiago Mattoso Sacilotto


“A virtude não tem padrão: conforme cada um a honre ou a despreze, dela terá mais ou menos”. Platão

“A ânsia de poder é uma tendência enraizada fundo demais na natureza humana para que possamos arrancar com facilidade”. Werner Jaeger. Paidéia.



A indiferença moral da juventude ao encarar o problema do poder é a cerne do diálogo entre Pólo e Sócrates. O jovem sente-se incomodado com o fecho da conversa com Górgias, professor niilista da antiga sofistica, na qual Sócrates demonstrou-lhe a incoerência ao definir o objeto da sua profissão. A opinião a cerca do limite da retórica não lhe parece clara o suficiente para que admita a verdade do argumento socrático.

Segundo Eric Voegelin, Pólo não percebe a diferença entre honestidade existencial e discussão intelectual e não compreende que é a causa do constrangimento do seu mestre. Pólo quer brincar pelas definições e considera-se confortável para ser igual ao mestre. Na medida em que Sócrates entende a desonestidade de Pólo no trato do dialogo – o jovem incita contestações com o fim de se vencer o debate sem ter razão - começa a perguntá-lo se a geração jovem tem algo a corrigir dos mais velhos, pede que não se prolongue demasiadamente uma definição de modo que a conversa não termine.

Um adendo evidente. As experiências humanas no passado correspondem às presentes, no processo pelo qual as situações aproximam ao sentido comum ao invés de se distanciarem com o tempo. O fato é que a situação de desonestidade moral ao proceder uma discussão é constante no tempo, existiu nos tempos gregos, existe atualmente no Brasil. Nos discursos ou debates, os indivíduos desejam vencer uma contenda pelo grito nas formas variadas de ofensa pessoal ou contestação sem medida. Se não houver uma compreensão do lado desonesto, a possibilidade do diálogo não existe, a melhor maneira parece a se afastar.

Pólo parece entender a necessidade do diálogo aceitando a condição socrática. Muda-se a forma do discurso, sendo o questionador Pólo. Já de vista pergunta a que arte seria a retórica, Sócrates de imediato nega a arte designando o termo rotina; retórico é o indivíduo que manipula as palavras a fim de provocar “prazer e satisfação”. Ainda representa um “simulacro da política” , a bajulação política a que Sócrates se refere visa ao prazer como isca a ignorância.

Como bajulação desnecessária, ainda no esforço de encontrar esse adendo no tempo mais chamado como liame existencial, temos presente essa mania brasileira em querer agradar; seja em qualquer ponto antropológico, ou de realidade incerta, a mania nacional da lisonja ultrapassou o limite entre a verdade e o erro. Manifestações de um vazio intelectual e moral são tratadas com a concessão; tolera-se ao erro alheio no misto de oportunismo e futilidade manifesta. O brasileiro não sabe mais a quem se agradar, termina por agradar todo mundo.

A sina continua quando Sócrates define ainda mais a retórica. Descreve que a rotina refere-se ao descuido com os meios e os fins, já que toda arte tende a um fim. È o momento em que Sócrates compara dialeticamente as atividades humanas com a retórica; postula que a justiça contrapõe o exercício de Górgias. Polo parece não acreditar, fingindo-se cético quanto à verdade socrática. Sócrates sutilmente pergunta-lhe se já não está se esquecendo nessa idade.

O tema de justiça inadequada ao exercício retórico enseja a dúvida em Polo: se o fim da retórica não é a justiça, como ela é digna de tanto apreço e admiração para quem lhe detém o poder? O diálogo com o jovem enfrenta a situação mais chocante, Polo ambiciosa abertamente a tirania; elogia àqueles que dispõem de poder para conquistar multidões, confiscar bens alheios e expulsar da cidade. As implicações com o tema do poder e a inveja de Polo aos tiranos é assunto para o próximo texto do Oito Colunas.

***

Os que quiserem ler os dois primeiros artigos desta série, enviem um e-mail para aco@atarde.com.br ou tentem acessar o antigo blog .

1:27 PM

0 comentários: