sexta-feira, fevereiro 25, 2005

por André de Oliveira
Acabo de chegar do Serviço de Atendimento ao Consumidor. Fui renovar minha carteira de motorista. Cheguei às cinco e meia da madrugada e saí de lá às onze e meia. Tudo graças ao anúncio da nova lei que obrigará o indivíduo, a partir de meados de março, a assistir a aulas e ser aprovado num teste teórico para conseguir sua nova habilitação, o que impedirá o sujeito de trabalhar por pelo menos uma semana. Para evitar tamanho transtorno, todos querem a renovação já.

É por essas e outras que eu adoro a burocracia estatal e as inúmeras leis constitucionais, que se contradizem mutuamente, possibilitando um número infinito de interpretações. Uma verdadeira maravilha. Talvez Lula ficasse satisfeito se me visse lá sentado, com meu livrinho do Meira Penna, escondido entre as pernas – já que poderia ser linchado se exibisse o título Opção Preferencial pela Riqueza em público – e rezando de tempos em tempos para que aceitassem minha carteira de identidade desatualizada. Um quadro realmente patético e melancólico.

À minha direita, as seis primeiras pessoas da fila conversavam sobre educação. Eram humildes, a maioria guardava lugar para seus patrões. Queixavam-se da falta de respeito dos filhos para com os pais. Diziam que os deles ainda eram criados à moda antiga, mas que já não aceitavam suas ordens e chegavam inclusive a ameaçar dar queixa na polícia por terem levado uma simples surra de chinelo. Gostei da reposta de um deles: “Se quiser ir, eu mesmo o levo, mas vou lhe batendo até lá para não deixar dúvida”.

À minha esquerda, pessoas de um nível social mais alto criticavam a lei que estava causando todo aquele tumulto. Mas, como sempre fazem os brasileiros, erraram o alvo: livraram a cara do presidente, acusando algum possível deputado, que provavelmente estaria se enriquecendo com aquela medida. Jamais passou pela cabeça deles que aquilo poderia ter nascido do simples desejo de mandar, de interferir e controlar a vida dos outros, como se faz em todo país de característica paternalista. Um deles começou a se queixar que uma coca-cola custa três reais em Porto-Seguro, um roubo! Imediatamente um outro lembrou que, na mesma cidade, por outro lado, há frutas e sobremesas deliciosas baratíssimas. Comecei a delirar. Imaginei que Meira Penna não estivesse apenas impresso no meu livro, mas vivo e ensinando-lhes que é exatamente por isso que a economia de mercado é tão boa e é tão difícil existir um verdadeiro monopólio quando não há interferência do Estado. Quem não tem dinheiro para comprar refrigerante, pode tomar um delicioso suco de manga.

Naquele exato momento, li um trecho em que o autor cita Mises: “Os amigos da paz consideram nossas guerras como conseqüência do imperialismo capitalista. Mas os tenazes promotores de guerra da Alemanha e da Itália denunciaram o capitalismo pelo seu pacifismo burguês. Os pregadores de sermões acusam o capitalismo de desintegrar a família e incentivar a licenciosidade. Mas os progressistas põem sobre o capitalismo a culpa pela preservação de alegadas regras obsoletas de repressão sexual. Quase todas as pessoas concordam que a pobreza é resultante do capitalismo. Mas, por outro lado, muitos deploram o capitalismo por satisfazer prodigamente os desejos dos homens que querem maiores amenidades e uma vida melhor, acusando-o de um materialismo grosseiro. Essas acusações contraditórias contra o capitalismo se anulam mutuamente.” Lembrei de Chesterton, que, em Ortodoxia, diz exatamente o mesmo do Cristianismo, e das acusações contraditórias que fizeram contra Jesus Cristo antes de ser levado a Pôncio Pilatos.

O brasileiro precisa aprender que altruísmo imposto pela polícia não é altruísmo. E as únicas outras duas alternativas são: promover a liberdade individual ou o controle das consciências alheias. A intervenção estatal não compromete apenas o desenvolvimento material, mas também o espiritual.

A diferença básica entre socialismo e capitalismo não está no fato do primeiro lutar pela justiça e o segundo promover a injustiça – porque ocorre exatamente o oposto -, mas sim no fato do primeiro exigir, para o seu devido funcionamento, que todos os homens sejam perfeitos, tanto quem manda quanto quem obedece, tanto governantes quanto governados, enquanto o segundo considera os defeitos humanos como uma realidade e até se aproveita deles para promover o bem comum, sem, com isso, impedir que surjam virtudes em lugar dos vícios, ou seja, mesmo que todos os homens se tornassem altruístas não haveria nenhum obstáculo para a manutenção da ordem capitalista.

Ah, antes que eu esqueça: aceitaram minha certeira de identidade desatualizada. Ufa!

3:29 PM

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