terça-feira, abril 19, 2005


por André de Oliveira

Em um dos seus inúmeros livros, Viktor Frankl nos diz : “Hoje a frustração existencial desempenha um papel mais importante do que nunca. Pensemos simplesmente o quanto o homem de hoje sofre não só com a perda progressiva do instinto mas também com a perda da tradição : na dimensão vital, as missões da vida são determinadas por instintos, e na dimensão social por tradições. Mas, ao homem que foi expulso do paraíso, onde havia abrigo e segurança proporcionados pelos instintos, e especialmente ao homem atual, que além da perda de instintos ficou entregue a si mesmo depois da perda da tradição, não é indicado pelos instintos o que ele tem que fazer nem pelas tradições o que ele deve fazer : a sua busca de sentido ainda lhe diz que ele quer o dever. Mas ele freqüentemente não sabe mais nada o que deva querer. É o vácuo existencial, o vazio interior e a falta de conteúdo, o sentimento de perda do sentido da existência e do conteúdo da vida.” Aqui se encontram as causas, sendo a primeira a perda dos instintos. Em verdade, esta não é bem uma causa, mas algo intrínseco ao ser humano, que o diferencia dos outros animais. Estes são guiados pelos instintos, e tudo que fazem depende deles.

O homem, sendo um animal racional e espiritual, não pode se guiar exclusivamente pelos instintos, pois ele é capaz de julgar e entender as conseqüências dos seus atos. Ou seja, para o ser humano a pura inocência do animal não pode mais ser aplicada devido a sua própria estrutura ontológica. O próprio Frankl, citando Novalis, explica-nos melhor isso : “no caminho de seu desenvolvimento ascendente, a escada pela qual o homem subiu veio abaixo – já não há volta para a existência puramente animal. Em outras palavras : o puramente natural seria para o homem o menos natural.” Mais adiante, ele encerra a questão : “a natureza do homem é completamente espiritual, e quando não o é decaiu ao nível do não espiritual, que não pode ser confundida com a não-espiritualidade do animal.” Em síntese : a perda dos instintos é própria do ser humano, e não um defeito. Ela retira dele a inocência pura dos animais, mas injeta-lhe responsabilidade e possibilita que ele penetre no campo espiritual e encontre a Deus.

E é aí que entra a verdadeira causa do vácuo existencial que assola a modernidade : a perda das tradições. O homem moderno perdeu seu principal guia. Quando separou a inteligência da moral, o homem também separou o espírito da razão. Eles se encontravam unidos nas tradições. Hoje o homem se guia unicamente pela razão, sem entender que ela sozinha, sem uma base onde se sustentar, é o puro caos. E essa base é o espírito. É ele que faz o homem perceber a eternidade e a imutabilidade que sustenta a transitoriedade da vida. Enfim, é ele que nos possibilita ter fé em Deus.

A negação da existência de Deus é autocontraditória, ou seja, não crer em Deus é de uma burrice infinita. É fácil provar isso. Sem a imutabilidade e a eternidade para sustentar a temporalidade e o espaço em que vivemos, teríamos de crer que o guia maior do homem é o próprio homem. Sendo reconhecidamente um ser volúvel e cheio de defeitos, o que um guia desses poderia nos proporcionar ? É por acreditar nele próprio como orientador que o ser humano de hoje resolve tudo em convenções : convenciona-se o que é moral e o que é imoral, o que é certo e o que é errado, baseando-se nas opiniões de um ser reconhecidamente defeituoso. Não é de admirar que essas convenções mudem constantemente e que a imoralidade de hoje se torne a moralidade de amanhã. Um ser que pretende ter como guia a transitoriedade e o defeito é um ser que abdica de encontrar a verdade. Eu não quero dizer que aquele que se guia pelo espírito seja perfeito. O que quero enfatizar é o óbvio : a busca da verdade tem que tomar por pressuposto a própria existência da verdade. E acreditar na verdade é acreditar numa única verdade, ou seja, não podem existir duas ou mais verdades, pois uma anularia a outra, nem pode a verdade mudar de uma hora para outra, pois também deixaria de ser a verdade. Portanto, a existência de Deus, Verdade única e imutável, não é apenas lógica e necessária, ela é essencial para que o homem acredite nele próprio. Não foi de brincadeira, nem para fazer joguinho de palavras que Henri Muller sentenciou : “o homem que não crê em Deus não existe”. Não há nada mais certo nesse mundo. Só espero que os historiadores do futuro não tenham que descrever uma sociedade que , em verdade, nunca existiu : a nossa.

Portanto, a perda das tradições, ou seja, a impossibilidade de se guiar pelo espírito, tornou o homem um nada. Não podendo voltar a se guiar pelos instintos, pois a sua condição de ser humano o impossibilita disso, nem podendo ter a Verdade como orientadora, o homem moderno se perde num labirinto de contradições, tendo que buscar consolo na própria transitoriedade da vida. A conseqüência natural disso é a procura contumaz de prazer : o álcool, as drogas, o sexo, a violência, enfim, todas as fontes de prazer passageiras, que fazem do homem um ser inexistente ontologicamente.

12:13 PM

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