terça-feira, maio 03, 2005

por Adalberto de Queiroz


Se eu te conhecesse, prezado leitor , poderia dizer-te em alto e bom som: desculpe-me pela ausência, mas como não sei quem és, devo trabalhar como num diálogo interior e escrever aqui o que me vai no íntimo, como se estivesse pensando em voz alta. E se a alguém servir essas linhas para aplainar o caminho, estaria completo o propósito dessa croniqueta.

Se me perguntasse o porquê do meu silêncio, não saberia responder senão com uma palavra: aridez. Quando nos sentimos em momentos de aridez, temos a tendência de achar que Deus nos abandonou. Se você já passou por isso, provou tal desconforto?

É certo que não me senti sozinho nessa estação espiritual que, por vezes nos assalta, como viajantes em plena caminhada, justo quando pensamos ter feito os maiores avanços. Há o afeto da amizade e das famílias espiritual e biológica que não deixam sós. Há a leitura e a meditação que torna menos dolorosa a experiência. E foi na leitura que encontrei, nesse período, o místico poeta espanhol San Juan de la Cruz, resume em versos este estado de espírito:


“Onde é que te escondeste,
Amado, e me deixaste com gemido?
Como o cervo fugiste,
havendo-me machucado.
Saí, por ti chamando, e já
tinhas te ausentado" (1)

E na explicação do poema, dada pelo próprio poeta, entendemos que: "se a alma sentir grande comunicação, ou sentimento, ou notícia espiritual, não é isso razão para persuardir-se de que aquela experiência consiste em possuir ou contemplar a Deus, clara e essencialmente; ou para crer que recebe mais de Deus, ou está mais unida a Ele, por mais fortes que sejam tais experiências.

"Do mesmo modo, não há de pensar que Deus lhe falta, em faltando todas essas comunicações espirituais sensíveis, permanecendo ela na secura, treva e desamparo mais do que na consolação”.


A imagem usada pelos que descrevem esse estado de espírito ganha sentido quando o poeta expande a secura para a treva e o desamparo. Sujeito a esse estado o homem sente como se lhe faltasse água ou luz, como a um filho a quem faltou o pai, ou como à esposa a quem faltou o amado. Daí, a sensação de abandono de desamparo e de desolação, para a qual a advertência explícita do poeta-místico é de enorme validez: “não há de pensar que Deus lhe falta...”

Continuamente deve o que está se sentido seco, buscar água, no que tratará de exercer o “amar a si mesmo” como de questão de sobrevivência. E assim a Oração tem para o sedento um papel insubstituível. Alceu Amoroso Lima elaborou há 50 anos, nas “Dimensões da vida interior” a definição para meditação:

“Meditar é aprofundar, pela análise e pela síntese, pela observação e pela comparação, pela aplicação da inteligência e também pela descida ao subconsciente, pelo isolamento e pelo silêncio, pela marcha ou pela imobilidade. Meditar é entrar em si. É deixar que o trabalho misterioso da Graça, em nós, se faça por si, como que independente de nossa vontade e de nossa atenção...Eis porque a meditação exige certas condições exteriores, de silêncio e imobilidade... e certas condições interiores de paz e de despreocupação. (2)

No silêncio se desenvolve com mais fluidez a meditação, porque ao calar ouvimos a voz interior, em busca do oculto no que se leu, no que se vive. Segundo Hugo de São Vítor, a meditação baseia-se no pensamento, sendo:

"um assíduo e sagaz reconduzir do pensamento,

esforçando-se para explicar algo obscuro,

ou procurando penetrar

no que ainda nos é oculto". (3)

Hugo de São Vítor, citado em “A Educação Segundo a Filosofia Perene”(III-12) afirma que há três operações básicas da alma racional, as quais constituem entre si uma hierarquia, e que devem, portanto, ser desenvolvidas uma em seqüência à outra. A primeira ele denomina de pensamento. A segunda, de meditação; a terceira, de contemplação.

O pressuposto de tudo nesse mundo conturbado parece ser mesmo o silêncio, uma das chaves para entrar no castelo interior pela oração. O silêncio prepara o caminho possível que nos leve de volta à Fonte capaz de nos dessedentar. É sábia a conclusão de Josef Pieper sobre o viver em silêncio: “o que se ganha nesse Silêncio profundo é talvez a investidura, a autorização para usar a palavra (...), mas pode acontecer também que o homem que se abre à verdade até o fundo de sua alma perca a palavra...”

Uma dileta amiga cristã encontrou em suas leituras a melhor definição: meditar é como “voltar para casa". Citando Eclesiastes 3:11: "...Também Deus pôs a eternidade no coração do homem sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até o fim", ela prossegue: “o ser humano tem saudades dessa eternidade que Deus pôs em seu coração; o ser humano, por mais ímpio que seja, por mais materialista que se afirme, é uma criatura espiritual, quer o reconheça conscientemente, quer o negue. Mas o seu interior, feito por Deus , sabe: existe um Céu, um 'mundo' diverso deste que nós vemos, e Deus colocou a 'sensação' disto em cada ser humano...Todo ser humano anela por essa eternidade - esse 'algo mais' que muitos, querendo ser modernos e cínicos e sofisticados, negam com os lábios que exista...”

Devo concordar com minha amiga que um dos propósitos do silêncio interior que pode nos conduzir à meditação é “nos levar, ainda que por breves períodos, a essa eternidade que em nós habita. Nos fazer 'retornar' a ela, porque é à ela que pertencemos em verdade - nossa verdadeira casa... o lar do nosso espírito”.

Nesse sentido e de forma conclusiva, a carta apostólica sobre a meditação cristã, da Congregação para a Doutrina da Fé, datada de 1989, continua atual quando afirma que “a oração é dom de Deus” e requer “a mobilização das faculdades do homem, o silêncio, o recolhimento, a leitura dos livros sagrados...”. E assim procedendo, como filho na presença do Pai (ou como a esposa diante de seu Amado), o(a) caminhante poderá alegrar-se com a conquista de maravilhas, e estará no caminho de volta pra casa do Pai.

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*Fontes:
(1) "Doze místicos cristãos: experiência de Fé e Oração", J.M. Velasco, p.147/8, Ed.Vozes.

(2) “Meditação sobre o Mundo Interior”, Alceu Amoroso Lima, Agir, 1955, p.129.

(3) “A Educação Segundo a Filosofia Perene” (s/autor), Edição de Cristianismo.org.br.

11:55 PM

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