quinta-feira, maio 19, 2005



por Diogo Costa


Liberais dizem que “a direita quer ser seu papai e a esquerda quer ser sua mamãe, o liberalismo quer que você assuma a responsabilidade de um adulto”. Concordo. Os conservadores tentam moralizar a sociedade dizendo o que cada um pode e não pode fazer com a própria vida. E os progressistas insistem em proteger os filhinhos das incertezas do mundo. Ambos comungam da completa falta de fé que os indivíduos consigam, sozinhos, acertar as escolhas para a própria vida.

Só que diferente da família, que age por amor, os pais governamentais, por mais bonzinhos que pareçam, definem-se por aplicar coerção legal com o propósito de satisfazer objetivos coletivos. Cada grau de expansão de seu poder corresponde a um aumento proporcional da dependência da sociedade. Os liberais não acreditam nessa expansão compulsória e advogam que os indivíduos sejam emancipados, respondendo pelos seus atos como adultos.

Os estatistas, tanto de direita como de esquerda, também querem emancipar os indivíduos. Não do Estado, mas da sociedade civil. Pretendem substituir as relações voluntárias que emergem naturalmente por imposições artificiais. A competição do mercado pelo jogo de interesse dos lobistas, os investimentos pessoais pela previdência social, a cooperação pelos programas assistencialistas, a responsabilidade individual pela servidão coletivista. E criam toneladas legislativas.

Essa dependência paternal dos indivíduos pelo Estado não consegue atingir nem mesmo as metas originais do Estado. A moralização conservadora falha porque tenta impor valores que apenas seriam legítimos caso as pessoas os aceitassem voluntariamente. E o assistencialismo progressista não faz muito além de atrofiar a economia e impedir a ascensão social.

Além de fracassar nos objetivos tentados, a expansão política ainda produz outros resultados indesejáveis. Para evitá-los, antes de sair expelindo leis por todos os poros, o legislador deveria compreender o funcionamento da realidade. Se os físicos tivessem o mesmo ímpeto e animação dos políticos, teríamos tantas fórmulas inúteis quanto temos leis.

Assim como uma teoria científica, a legislação deve estar de acordo com as leis da natureza. É necessário identificar a intenção divina na natureza se quisermos criar um ordenamento jurídico justo e benéfico. A criação possui suas próprias normas que, quando constatadas, permitem ao homem a viver da forma que escolhe.

O escritor americano David Frum explica em “Dead Right” que aprendemos a agir conforme a restrições naturais: a limitação dos nossos recursos, a observância religiosa, as tradições comunitárias e os riscos de doenças e desastres. E diz que a expansão do Estado, privando os indivíduos de sofrerem os efeitos de sua irresponsabilidade, serve para impedir que a sociedade seja recompensada pelo comportamento virtuoso.

A natureza ensinou Robinson Crusoe a ser disciplinado, esforçado e prudente se quisesse sobreviver e progredir. São qualidades valiosas para o desenvolvimento de uma sociedade. O homem observa a realidade e com ela aprende como deve se comportar para satisfazer suas vontades. Aprende que precisa ser trabalhador se quiser descansar, estudioso se quiser aprender, frugal se quiser enriquecer, honesto se quiser a confiança e o respeito de seus próximos. A ordem criada por Deus recompensa aquele que age virtuosamente e pune o hábito vicioso. Assim, a formação do caráter depende do bom entendimento da ordem natural, o que não ocorre quando se substitui a ordem natural divina pelas ordens arbitrárias do governo.

O marxismo é um ideal exemplo de inversão da ordem natural, por tentar anular o interesse individual humano através da coerção estatal. Mas não precisamos nos aproximar do radicalismo comunista para identificar as distorções causadas pela inobservância da política às leis naturais e sua constante interferência na ordem espontânea característica da sociedade civil. David Frum exemplifica:

“Por que ser frugal quando os cuidados da sua velhice e saúde são providenciados, não importa o quão prodigamente você agiu na sua juventude? Por que ser prudente quando o Estado assegura seus depósitos bancários, substitui sua casa inundada, compra todo o trigo que você conseguir plantar e lhe resgata quando você vagueia numa zona de combate estrangeira? Por que ser diligente quando tomam metade do que você ganha para dar aos desocupados? Por que ser sóbrio quando os contribuintes sustentam clínicas para curar seu vício quando a droga não lhe diverte mais?”

A acumulação de virtudes necessárias para o avanço social, como a parcimônia, a honra, a cooperação, a educação, a honestidade e a prudência, torna-se desnecessária quando as recompensas criadas por Deus são substituídas por arranjos artificiais do Estado. Se o governo altera as conseqüências da ação virtuosa, a recompensa não vai para o homem que se preocupa com a formação de seu caráter, mas para aquele que se envolve nos esquemas políticos de seu interesse.

A história mostra que, quando livres, somos ensinados pelos estímulos da ordem natural. Como resultado, a humanidade tornou-se rica e digna. Mas essa mestra sempre esteve duelada pela rebeldia juvenil que acreditava ser mais sábia que a natureza e imune à realidade. Quando os indivíduos são emancipados da responsabilidade de suas ações, permitimos que a sociedade se torne cada vez mais dependente, covarde, deseducada e perdulária. Tornamo-nos crianças sem a desculpa da inocência.

12:33 PM

1 comentários:

at 4:13 PM Primeira Coluna disse...

Não é desprovida de sentido sua preocupação com a interferênica do Estado e o conseqüente "entrave social".

Concordo quando diz que "O homem observa a realidade e com ela aprende como deve se comportar para satisfazer suas vontades. Aprende que precisa ser trabalhador se quiser descansar, estudioso se quiser aprender, frugal se quiser enriquecer, honesto se quiser a confiança e o respeito de seus próximos."

Porém, penso que o ser humano não é algo à parte da natureza (por isso tem de observá-la). O fato de ter criado um modo (ou modos) de vida próprio(s) não o coloca num plano "paranatural", se assim posso dizer. E isso inclui também os aspectos que se distanciam do "modo natural de vida". E muitos aspectos de nossa cultura se distanciam desse "modo de vida". Exemplo simples: o incesto não é algo moralmente aceitável entre os humanos. Se acha descabida uma comparação entre homem e animal, não acho menos uma entre "modo de vida artificial" (como se fosse algo à parte da natureza) e "modo de vida natural" (como se o homem dele não pudesse fazer parte por ter construído estruturas que em parte o negam). A tão necessária compreensão da realidade, da natureza e de seus mecanismos de funcionamento se dá desde os primórdios da humanidade. É um processo, e não algo pronto e acabado, que determinou e continua determinando a nossa forma de se organizar, de viver (mesmo a dominação é fruto dessa percepção, o que não quer dizer que não deva ser duramente combatida). A questão não é o embate "Artificial" versus "Natural". Por que estamos vivos? Não compartilho com a idéia de que estamos aqui simplesmente para aprender com o sofrimento (e não nego que a dor ensina muito). Acho que a felicidade deve ser buscada aqui e agora. As formas de se atingi-la? Essa já é outra questão. Pra concluir, apesar dos males do Estado, dos perigos do Nacionalismo e das Tentações Autoritárias, não se deve esquecer que a Civilização Ocidental deve muito à estrutura estatal (e não só a ela, claro). Pode-se considerar ainda que a vida poderia ser hoje bem melhor se a história da humanidade tivesse sido outra. Quem sabe?

Bom, é isso que penso. Posso estar equivocado, ou posso não ter realmente entendido o espírito do seu texo (ou quem sabe certo?), mas espero ter contribuído para o bom debate. É para isso que espaços como este servem, certo?

Diogo, aproveito para fazer rápido comentário a respeito do artigo de Fabio Ulanin: "Gerardo Melo Mourão: o clássico anti-clássico".

Como Gerardo, também sou natural de Ipueiras, interior do Ceará, quase divisa com o Piauí, de onde pode ser apreciada a imponente Serra da Ibiapaba, um dos temas da literatura cearense.

Mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, mas talvez movido pela percepção de que o planeta inteiro cabe dentro dos limites de nossa pequena terra (Ipueiras), onde todo mundo conhece todo mundo, fico feliz pelo reconhecimento neste espaço do trabalho de Gerardo Melo Mourão, ipueirense que logo descobriu a verdadeira dimensão do planeta. Havia muito mais que o nosso horizonte rodeado de morros permitia ver.

Sobre Gerardo, vale a pena conferir este link:
http://www.artenarede.com.br/gui....asp? codigo=144

Abraço!

Paulo Avelar