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domingo, fevereiro 13, 2005
por Fabio Ulanin
Perguntaram-me, outro dia, se esta minha reconversão ao catolicismo, depois de vinte e tantos anos, era diretamente proporcional ao meu distanciamento da esquerda política. Não soube o que responder de imediato, pois qualquer tentativa de elucidar ao inquiridor as minhas posições teria como resposta duas obviedades: uma, no caso de afirmar o distanciamento político como resultante da aproximação religiosa, seria voltada à inverdade histórica vendida em todas as escolas pelos professores ateus e agnósticos para os quais crer em Deus e em Jesus Cristo significa uma completa impossibilidade de distanciamento crítico frente à realidade; em outras palavras, eu escutaria um “mas é claro, já que a Igreja é reacionária em suas posições”. No segundo caso – meu afastamento da esquerda nada teve a ver com a aproximação da Igreja – a resposta seria facilmente moldada em outro sentido: abraçaria uma fé falsa, na medida em que a própria Igreja reconhecia as propostas da esquerda como úteis e necessárias para a sociedade. Não soube o que responder, pois, menos por não saber que decisões eu tomei do que da forma como eu poderia responder tal questão, sem cair nas armadilhas embutidas na pergunta.
Ainda existe ranço nas pessoas, quando se trata de religião. Aliás, corrijo-me: existe um certo tipo de comportamento rançoso quando se trata da Igreja Católica. Quando o assunto é a doutrina protestante – inclusive os delírios neo-pentecostais – a coisa muda de figura. Não sou eu quem o digo: estou devidamente abalizado por uma série de predecessores (e esta é uma palavra imprópria, na medida em que não pretendo continuá-los) de peso e de caráter intelectual muito superior ao meu: Otto Maria Carpeaux, em um ensaio a respeito de Max Weber, é muito claro ao perceber as relações íntimas entre o marxismo e as ideologias burguesas protestantes; Gustavo Corção disse o mesmo em um bom número de artigos; Maritain, no seu Humanismo Integral cria relações íntimas entre esta forma religiosa e o espírito revolucionário. Creio que li, em algum lugar, algo de Alceu Amoroso Lima a este respeito, mas não dou certeza. O que me parece claro é que é muito mais fácil para uma pessoa de esquerda apoiar e defender o protestantismo e suas diversas formas do que olhar, simplesmente e com o coração aberto, para o catolicismo e sua proposta libertadora. Posso escutar, ali no fundo da platéia, umas vozes que se erguem, dizendo que os autores que citei são, todos, reacionários – portanto de direita. É o modo fácil da rotulação – e, pior: é uma mentira.
Corção era, sim, posicionado à direita e, inclusive, apoiou o golpe de 1964. O mesmo, no entanto, não se pode dizer dos outros três: Maritain fez parte da Ação Católica que, cá entre nós, de direita tinha muito pouco (e de marxista menos ainda); Carpeaux é, ainda hoje, o queridinho das academias graças não só ao brilhantismo dos seus ensaios e das sínteses históricas sobre literatura que escreveu, mas principalmente por se colocar um tanto mais à esquerda que muitos contemporâneos; e Amoroso Lima era um homem que se dizia um liberal-adjetivo e não um liberal-substantivo – na media em que ser “substantivamente liberal é não fazer distinção entre a verdade e o erro, entre religião verdadeira e falsa, entre sistemas filosóficos. É nivelar todos os valores, fora o da liberdade” (Revolução, reação ou Reforma? Petrópolis: Vozes, 1999).
A minha resposta poderia, talvez, ser simples: deixei de ser esquerda muito antes de voltar a ser católico. Meu afastamento da ortodoxia marxista se deu aos poucos e lentamente. Para tal precisei não de leituras austeras, não de uma análise filosófica profunda: precisei, apenas, parar e olhar com atenção aquilo que me cercava. Qualquer um que pare e olhe atentamente o cerne das propostas da esquerda imediatamente deixa de acreditar na sua viabilidade e na sua capacidade de igualar os homens em seus direitos. Qualquer um que tente – apenas tente – se afastar dos dogmas do PT, por exemplo, e reflita com um mínimo de desprendimento em sua viabilidade, terá a resposta atirada à cara, sem dó nem piedade: tudo isso que você acreditou é falso. Comparo o meu afastamento da esquerda e de suas propostas a um parto – um parto de dez anos, lento e muitas vezes doloroso.
Tampouco precisei, para voltar ao catolicismo, de grandes investigações filosóficas ou teológicas. Precisei simplesmente, depois de perceber a mentira na qual estive mergulhado por tanto tempo, ler uma ou duas páginas de Santo Agostinho ou Santo Tomás de Aquino. Não há no mundo uma pessoa inteligente que os leia e não sinta o impulso imediato da conversão: são palavras altas demais; são gritos da verdade; são ensurdecedoras as suas vozes – e imenso o amor que delas desprende, atingindo-nos em nossa velha ferida, jamais cicatrizada: teu coração (dizem as palavras dos Santos Doutores) é humano e vazio e, por causa disso, busca um fim último – o único fim possível e plausível; nada no mundo poderá preenchê-lo: apenas a Verdade. E reconhecê-la dependerá só de ti.
Não sou, pois, nem esquerda nem direita, muito pelo contrário. Há grupos, na Igreja, que se posicionam politicamente – e posso não concordar com eles, seja a pastoral que defende os sem-terra seja a TFP. Aliás, discordo das duas. Discordo de ambas, mas creio em uma única Verdade: acima da política e suas disputas comezinhas, pretendo apenas encontrar Aquele que nos salvará.
Perguntaram-me, outro dia, se esta minha reconversão ao catolicismo, depois de vinte e tantos anos, era diretamente proporcional ao meu distanciamento da esquerda política. Não soube o que responder de imediato, pois qualquer tentativa de elucidar ao inquiridor as minhas posições teria como resposta duas obviedades: uma, no caso de afirmar o distanciamento político como resultante da aproximação religiosa, seria voltada à inverdade histórica vendida em todas as escolas pelos professores ateus e agnósticos para os quais crer em Deus e em Jesus Cristo significa uma completa impossibilidade de distanciamento crítico frente à realidade; em outras palavras, eu escutaria um “mas é claro, já que a Igreja é reacionária em suas posições”. No segundo caso – meu afastamento da esquerda nada teve a ver com a aproximação da Igreja – a resposta seria facilmente moldada em outro sentido: abraçaria uma fé falsa, na medida em que a própria Igreja reconhecia as propostas da esquerda como úteis e necessárias para a sociedade. Não soube o que responder, pois, menos por não saber que decisões eu tomei do que da forma como eu poderia responder tal questão, sem cair nas armadilhas embutidas na pergunta.
Ainda existe ranço nas pessoas, quando se trata de religião. Aliás, corrijo-me: existe um certo tipo de comportamento rançoso quando se trata da Igreja Católica. Quando o assunto é a doutrina protestante – inclusive os delírios neo-pentecostais – a coisa muda de figura. Não sou eu quem o digo: estou devidamente abalizado por uma série de predecessores (e esta é uma palavra imprópria, na medida em que não pretendo continuá-los) de peso e de caráter intelectual muito superior ao meu: Otto Maria Carpeaux, em um ensaio a respeito de Max Weber, é muito claro ao perceber as relações íntimas entre o marxismo e as ideologias burguesas protestantes; Gustavo Corção disse o mesmo em um bom número de artigos; Maritain, no seu Humanismo Integral cria relações íntimas entre esta forma religiosa e o espírito revolucionário. Creio que li, em algum lugar, algo de Alceu Amoroso Lima a este respeito, mas não dou certeza. O que me parece claro é que é muito mais fácil para uma pessoa de esquerda apoiar e defender o protestantismo e suas diversas formas do que olhar, simplesmente e com o coração aberto, para o catolicismo e sua proposta libertadora. Posso escutar, ali no fundo da platéia, umas vozes que se erguem, dizendo que os autores que citei são, todos, reacionários – portanto de direita. É o modo fácil da rotulação – e, pior: é uma mentira.
Corção era, sim, posicionado à direita e, inclusive, apoiou o golpe de 1964. O mesmo, no entanto, não se pode dizer dos outros três: Maritain fez parte da Ação Católica que, cá entre nós, de direita tinha muito pouco (e de marxista menos ainda); Carpeaux é, ainda hoje, o queridinho das academias graças não só ao brilhantismo dos seus ensaios e das sínteses históricas sobre literatura que escreveu, mas principalmente por se colocar um tanto mais à esquerda que muitos contemporâneos; e Amoroso Lima era um homem que se dizia um liberal-adjetivo e não um liberal-substantivo – na media em que ser “substantivamente liberal é não fazer distinção entre a verdade e o erro, entre religião verdadeira e falsa, entre sistemas filosóficos. É nivelar todos os valores, fora o da liberdade” (Revolução, reação ou Reforma? Petrópolis: Vozes, 1999).
A minha resposta poderia, talvez, ser simples: deixei de ser esquerda muito antes de voltar a ser católico. Meu afastamento da ortodoxia marxista se deu aos poucos e lentamente. Para tal precisei não de leituras austeras, não de uma análise filosófica profunda: precisei, apenas, parar e olhar com atenção aquilo que me cercava. Qualquer um que pare e olhe atentamente o cerne das propostas da esquerda imediatamente deixa de acreditar na sua viabilidade e na sua capacidade de igualar os homens em seus direitos. Qualquer um que tente – apenas tente – se afastar dos dogmas do PT, por exemplo, e reflita com um mínimo de desprendimento em sua viabilidade, terá a resposta atirada à cara, sem dó nem piedade: tudo isso que você acreditou é falso. Comparo o meu afastamento da esquerda e de suas propostas a um parto – um parto de dez anos, lento e muitas vezes doloroso.
Tampouco precisei, para voltar ao catolicismo, de grandes investigações filosóficas ou teológicas. Precisei simplesmente, depois de perceber a mentira na qual estive mergulhado por tanto tempo, ler uma ou duas páginas de Santo Agostinho ou Santo Tomás de Aquino. Não há no mundo uma pessoa inteligente que os leia e não sinta o impulso imediato da conversão: são palavras altas demais; são gritos da verdade; são ensurdecedoras as suas vozes – e imenso o amor que delas desprende, atingindo-nos em nossa velha ferida, jamais cicatrizada: teu coração (dizem as palavras dos Santos Doutores) é humano e vazio e, por causa disso, busca um fim último – o único fim possível e plausível; nada no mundo poderá preenchê-lo: apenas a Verdade. E reconhecê-la dependerá só de ti.
Não sou, pois, nem esquerda nem direita, muito pelo contrário. Há grupos, na Igreja, que se posicionam politicamente – e posso não concordar com eles, seja a pastoral que defende os sem-terra seja a TFP. Aliás, discordo das duas. Discordo de ambas, mas creio em uma única Verdade: acima da política e suas disputas comezinhas, pretendo apenas encontrar Aquele que nos salvará.
10:33 PM