domingo, agosto 28, 2005


por Maurício Amaral

Como foi

Um sujeito, acompanhado da sua namorada, decide se divertir à noite, assistindo a um lual. Estão no litoral paulista e a festa está cheia de jovens. Divertem-se. No início da madrugada, por volta de duas e meia da manhã, resolve ir embora. De mãos dadas com a moça, percorre o caminho ermo até onde deixou o carro estacionado. Antes de alcançá-lo, passa por um grupo de cinco ou seis homens, bem apessoados, corpos esculpidos indicando anos de musculação, aparentemente também vindos da festa. O grupo, percebendo a beleza da moça, dirige-lhe gracejos, ignorando a presença do sujeito. Este, embora aparentemente em desvantagem, retruca. O grupo gosta da situação, e aumenta a provocação. Aproxima-se do casal. O sujeito, que por acaso é promotor de justiça, saca sua arma e ordena que o grupo recue. Não é obedecido. Ao contrário, certos de que a arma é um brinquedo, os homens riem. O sujeito faz dois disparos para o alto. O estampido vindo da pistola não os intimida. Os homens avançam e o sujeito atira em dois deles. Primeiro atinge um, o mais alto, com dois tiros no peito. Depois, atinge outro no braço, duas vezes. Os demais, agora com medo, fogem. Mais tarde o sujeito seria preso e expulso do Ministério Público. Eu fico sabendo da história através da apresentadora de um programa matinal de tv, que, indignada, protesta contra o fato de um promotor de justiça espalhar violência ao invés de ajudar a aplacá-la.

Como poderia ter sido

A apresentadora de televisão resiste ao convite. Afinal de contas, tem de gravar pela manhã e um lual costuma adentrar a madrugada. Pesa as circunstâncias. Está solteira há seis meses, após um casamento mal sucedido com um homem que nunca a amara de verdade. Sente-se carente e o convite é de um pretendente que ela, por intuição, acredita ser o homem ideal. Pensa que só precisa chegar ao estúdio às oito e termina por concordar com a noitada. Diverte-se mais do que poderia imaginar. A música é boa, o ambiente romântico e o parceiro um cavalheiro apaixonado. No início da madrugada, resolvem ir embora. Ela, que não havia ingerido álcool, sente-se embriagada de felicidade, capaz de prolongar a noite na casa dele e ir direto, sem dormir, fazer o programa. No caminho para o carro, uma rua sombria, de onde se podem ouvir apenas alguns risos abafados. Um grupo de jovens bonitos e fortes os aborda, dirigindo a ela gracejos insolentes. O seu parceiro protesta, mas recebe um soco violento e cai. Ela, em estado de choque, tenta socorre-lo, mas é impedida por braços vigorosos que a atiram no capô de um carro. Um a um, os seis homens a possuem. Depois, antes de morrer sufocada pelas mãos de um dos homens, ainda consegue ver o seu parceiro ter o crânio esmagado por uma pedra. No dia seguinte, todas as redes de tv noticiam a morte da apresentadora, protestando contra a violência na cidade e a inoperância da polícia. Pedem justiça.

Como gostariam que fosse

Lual no litoral paulista. Jovens se divertem, bebem pouco, não se drogam. No final da festa, quando um jovem casal atravessa uma rua deserta em busca do carro, a apresentadora de tv surge inesperadamente, microfone em punho, acompanhada do cinegrafista. Pergunta aos dois o que acharam da festa. Depois quer saber se não têm medo de andar por ali. Deixa-os ir. “Um lindo casal, não?”. Pisca o olho para o cinegrafista.

segunda-feira, julho 18, 2005



por Diogo Costa


Nunca saia de casa sem um livro à mão. Assim, cada vez que passar por um outdoor, sinal, letreiro ou faixa, que um erro de concordância invadir sua paz interior, abra imediatamente o livro e retome o seu estado inicial com a leitura de um ou dois parágrafos. Mas, atenção, se for passar mais de uma hora na rua, um livro com menos de 200 páginas pode não ser o suficiente.

Basta sair de casa para testemunharmos a multidão de imbecilidades que decoram nosso país. A ignorância é nosso patrimônio nacional, disse Paulo Francis. De passado glorioso e futuro promissor, adicionaria Roberto Campos. Houve quem duvidasse, mas as mãos de Lula recebendo a faixa presidencial foi a prova dos nove.

Não que o analfabetismo indique necessariamente burrice, mas a persistência nos erros gramaticais é um sintoma claro, talvez o mais estampado - e colado, pintado e impresso em tudo quanto é lugar. Não duvidaria de alguma estatística revelasse haver, nas ruas, mais crases indevidas que corretas. E, se bobear, ainda vão escrever istatística assim, com “i”.

Aqueles com poucos recursos ainda têm a desculpa de se preocuparem mais com a sobrevivência do que com a gramática. Mas o mal não se restringe a eles. É a classe universitária, a primeira a escrever mal. Bem ali, no profile do Orkut. Se vivesse atualmente, o personagem do conto “O Colocador de Pronomes”, de Monteiro Lobato poderia dedicar o resto da sua vida e não conseguiria ratificar todos os erros encontrados nos sites brasileiros. Engoliria o mouse em suicídio.

O que incomoda ainda mais é que essa deve ser a manifestação de ignorância mais fácil de sanar. Depois do Google, não há nome difícil de soletrar, mas insistimos. A Carol poderia, em 0.16 segundos, descobrir como se escreve “Ashton Kutcher”. O Ricardo, ao redigir o cardápio da lanchonete, poderia consultar se misto é com “x” ou com “s”. É tão, mas tão fácil descobrir. Basta abrir um dicionário, ou procurar se informar com alguém que saiba. Será que, em algum momento não surge a dúvida sobre determinada grafia? Antes de lançar a crase sobre o “a” que precede “quilo”, alguém não se pergunta se está empregando corretamente o acento? E o que ela faz com essa dúvida? Manda passear e põe a crase assim mesmo.

Olha que o esforço do qual falamos se resume em abrir um livro, um site de busca, ou se informar sobre uma regra clara, indiscutível e de fácil acesso. Se as pessoas faltam com o zelo às dúvidas mais banais e ligadas à sua reputação, o que podemos esperar de sua reação às questões mais difíceis? Se em algum momento essas pessoas questionam-se sobre o que é ser de “esquerda” ou “direita”, você acha que ela vai perder tempo procurando se informar sobre os conceitos? Não me parece muito provável. E não é por falta de acesso ao conhecimento, mas por falta de amor ao conhecimento, de querer conhecer. O Brasil padece da falta da “filosofia” em seu sentido mais literal e rudimentar.

Talvez esse seja nosso grande patrimônio nacional: a falta de querer conhecer. Crianças entram na escola para saírem adultos em busca de um diploma que lhes permita tentar um concurso público. São movidas pelo interesse de ganhar diploma e dinheiro. Mas nenhuma delas está a fim de conhecer. No Brasil, qualquer aprendizado que não corresponda a um interesse direto é acidente de percurso. E ai da verdade que contradisser o interesse próprio do sujeito. É logo desprezada, ridicularizada ou despedida com pronta arrogância.

Só que essa motivação não adianta nada para a política, onde o interesse próprio não faz muito para incentivar a busca de conhecimento. Democracias sofrem do que economistas chamam de “problema de informação”. Não vale a pena perder tempo estudando planos de governo e ideologias políticas quando seu voto é um entre dezenas de milhões.

Tomemos o seguro de saúde como exemplo. As pessoas gastam tempo e dinheiro analisando os vários planos de saúde porque sua decisão lhes influenciará diretamente. Podem decidir se querem o plano básico com o menor custo ou se querem uma melhor e mais cara assistência. Já quando tratamos do sistema de saúde público, o cidadão que quer o plano mais barato vai precisar: 1- aguardar e investigar se algum dos candidatos da próxima eleição concorda com ele; 2- se encontrar, aceitar todo o pacote político desse candidato em assuntos dos quais discorda, como política ambiental, ou verbas militares; 3- ainda que aceite o pacote, ele precisará convencer outras milhões de almas a votarem junto com ele. 4- Torcer para que não sejam criados obstáculos para passar o projeto de lei, e que haja maioria no congresso. A diferença entre os esforços exigidos pelo mercado e pela política para que sua decisão seja eficaz é ridiculamente desproporcional.

Portanto, como entender política não fará muita diferença no seu cotidiano, o brasileiro comum pouco se importa. Episódios de corrupção são o que pode haver de mais entusiástico sobre a política, porque lançam novas fofocas nos botequins e pontos de ônibus. De menos entusiástico há o estudo de teorias políticas, coisa que, para surtir efeito prático, necessita do sucesso de um movimento de larga escala. Cabe à elite a curiosidade e a compreensão para divulgar as idéias à massa. Mas, quando a elite se mostra a primeira a mandar o conhecimento às favas, quem vai estudar e ensinar política? O máximo que a meia-dúzia de exceções pode fazer é servir de caixa de ressonância do exterior para o território nacional.

E lembre-se que esse texto enfatiza a política, apenas. O que diremos sobre outros campos do conhecimento em que os efeitos práticos parecem ainda mais obscuros ou desnecessários, como a religião e a própria filosofia? Aproveitemos o rótulo de país do futuro enquanto nos lembramos dos tempos verbais.

quinta-feira, julho 14, 2005



por Octavio Motta

Uma das posições mais extremadas existentes é a posição do meio termo. Sempre querem um meio termo. Vêm armados com um arsenal de clichês. A turma do deixa disso, dos panos quentes. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Tudo em moderação. Nem oito nem oitenta. E por ai vai.

Comportamento patológico que chega às raias do surrealismo. Você afirma que 2+2=4. Outro, por que motivos sejam, diz que 2+2=5. A turma do meio termo que te convencer que, na verdade, a reposta certa é quatro e meio.

São sempre manipulados pelo lado que está errado. Errar é fácil, acertar é difícil. O meio termo entre o erro e o acerto ainda é um erro. Querendo-se a reposta de dois mais dois, quatro e meio é tão errado quanto cinco. A turma do deixa disso entrega o que é certo de mão-beijada em nome de uma vaga noção de tolerância e diversidade. Tudo isso se encaixa no esquema de ditadura do relativismo, termo cunhado pelo Cardeal Ratzinger. Quem acredita em algo de maneira clara e madura é tomado por fanático. Em resumo, os relativistas fanáticos não aceitam que alguém não seja relativista.

Existe uma anedota no mundo jurídico que sempre existe uma teoria mista. Se você não conhece nenhuma teoria sobre um tema, você favorece a teoria mista. Porque sempre tem uma teoria mista. Alias, praticamente só existe a teoria mista. Talvez seja um cacoete de quem leu Hegel e, tragicamente, levou a sério essa patuscada de tese, antítese e síntese. Ostensivamente encontra-se um semiletrado pedindo que você deixe disso, porque sempre tem um meio termo. Um meio termo entre a verdade e a mentira é outra mentira, Dr. Mirandinha!

O mundo vive na teoria mista. Você vive na teoria mista, e nem sabia. As revoluções liberais deram a todos direitos fundamentais inalienáveis na forma de restrições ao poder Estatal. As liberdades de locomoção e expressão indicam que o Estado deve abster-se de praticar ações que lhe tolham esses direitos. Os direitos sociais, contudo, como o nome indica, vem do socialismo, e consistem em ações que o Estado deve e pode exercer para tolher seus direitos individuais em nome de direitos coletivos. Forcosamente quem decide o que o coletivo quer? O estado. Pronto, os direitos coletivos erodem os direitos individuais. Você tem direito à propriedade, a menos que o Estado decida que é melhor toma-la de você em nome da sociedade. Você tem direito aos frutos do seu trabalho a menos que o Estado resolva tungar metade do que ganha com impostos, em nome, claro, do coletivo.

Nem os EUA estão a salvo, pois recentemente a corte suprema deles tomou uma decisão pela qual o Estado pode confiscar propriedade e entrega-la a grandes empresas caso isso vá produzir mais impostos. Isso foi uma derrota do capitalismo porque erode o direito de propriedade privada. Foi uma vitória do socialismo. Mas é difícil explicar isso no Brasil, que confundo capitalismo com grandes empresas e socialismo com povo. Quando o governo pega metade do que um honesto trabalhador ganha em nome de impostos diretos e indiretos, isso é socialismo.

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domingo, julho 10, 2005


por André de Oliveira
Ao roubar o fogo de Zeus, Prometeu permitiu que o intelecto (simbolizado pelo fogo) fugisse do controle do Espírito (simbolizado por Zeus). O episódio representa a revolta do intelecto contra o Espírito. A inteligência humana só serve ao Bem quando se deixa guiar pelo Divino. Toda tentativa de escapar dessa lei trará sempre conseqüências nefastas ao próprio homem.

A perversidade iniciada por Prometeu é complementada por seu irmão Epimeteu, cuja característica é agir antes de pensar, ou seja, nele já há uma total inconsciência da presença divina, pois a Theoria é Deus e a práxis é o homem. A práxis sem referência à Theoria perde toda a realidade, transformando-se num absurdo total.

Descartes foi o Prometeu do mundo moderno. Virando as costas para o Espírito, criou uma filosofia fundamentada num Eu artificial e abstrato, e portanto inexistente, referindo-se a Deus apenas para salvar as contradições de suas idéias. Usou a mesma tática de Prometeu, que, desejando fugir ao controle do Espírito, mas reconhecendo que o próprio intelecto é uma dádiva sua, tentou furtá-lo de Zeus, porque seria a única maneira de dar continuidade ao seu projeto.

Epimeteu já não reconhece sequer a existência de Deus. É a própria animalidade. O mundo moderno teve vários Epimeteus, mas o que exerceu maior influência e se tornou mais conhecido foi Karl Marx. Assim como o irmão de Prometeu, ele nunca considerou a existência do Espírito. Ao contrário, parte de sua teoria já se inicia tentando justificar as razões pelas quais alguns homens acreditam em Deus. Além disso, ele mesmo afirmou que o objetivo da nova filosofia deveria ser o de parar de pensar o mundo e tratar apenas de transformá-lo, exatamente como fazia Epimeteu, agindo antes de pensar.

O capitalismo é filho de Prometeu. O comunismo de Epimeteu. A única forma de melhorar o mundo é devolver o intelecto ao Espírito, ou seja, permitir que o sistema capitalista seja guiado pela moral judaico-cristã. Ao desfazer o projeto de Prometeu, estaríamos desfazendo também o de Epimeteu, que é apenas um complemento do irmão, assim como o comunismo é um complemento do liberalismo ateu.

Atualmente, o que está acontecendo é o oposto, ou seja, capitalismo e comunismo se complementam perfeitamente, um servindo-se do outro na sua revolta contra o Espírito. A única resistência a esta comunhão anti-espiritual em todo o mundo é um pequeno grupo de conservadores americanos, que às vezes erram tentando roubar o fogo de Prometeu, em vez de tentar convencê-lo a devolver o que não é dele.

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segunda-feira, junho 27, 2005

Livros citados pelos colunistas deste blog que responderam ao questionário literário que anda circulando pela internet* :

O Livro do Desassossego, de Bernardo Soares (Fernando Pessoa)
A Montanha Mágica, de Thomas Mann
A Obra em Negro, de Marguerite Yourcenar
O Castelo, de Franz Kafka
O Coração das Trevas, de Joseph Conrad
Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso
História da Filosofia, de Julián Marias
O Homem Perante o Infinito, de Mario Ferreira dos Santos
O Século do Nada, de Gustavo Corção
Diário de um Pároco de Aldeia, de George Bernanos
Os Diálogos, de Platão, traduzidos pelo Carlos Alberto Nunes
A Vida dos Doze Césares, de Suetônio
As Idéias e as Formas, de José Guilherme Merquior
A Vida Privada e outras histórias, de Henry James
Vida Independente, do jornalista português João Pereira Coutinho
A Bíblia do Caos, de Millôr Fernandes
A Divina Comédia, de Dante Alighieri
Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes
Doktor Faustus, de Thomas Mann
Confissões, de Santo Agostinho
Sobre o Sermão do Senhor na Montanha, de Santo Agostinho
O Processo Maurizius, de Jakob Wasserman
Etzel Andergast, de Jakob Wasserman
A Terceira Existência de José Kerkhoven, de Jakob Wasserman
Rei Lear, de Shakespeare
O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil
Os Princípios Filosóficos do Direito Político Moderno, de Simone Goyard-Fabre
Os Fundamentos da Ordem Jurídica, de Simone Goyard-Fabre
Correio Sul, de Exupéry
Vôo Noturno, de Exupéry
Terra dos Homens, de Exupéry
O Planeta do Sr. Sammler, de Saul Bellow
Serpente, de Rex Stout
Sange Sábio, de Flannery O'Connor
É Díficil Encontrar um Homem Bom, de Flannery O'Connor
Lobo da Estepe, de Herman Hesse
Debaixo das Rodas, de Herman Hesse
O Jogo das Contas de Vidro, de Herman Hesse
Dios Y La Divinidad, de Paul Diel
O Simbolismo na Mitologia Grega, de Paul Diel
As Cartas do Inferno, de C. S. Lewis
O Legado de Humboldt, de Saul Bellow
Lições Preliminares do Direito, de Miguel Reale
Código dos Códigos, de Northrop Frye
Anatomia da Crítica, de Northop Frye
Psicologia Integral, Ken Wilber
Cinco Lecciones de Filosofia, de Xavier Zubiri
Astros e Símbolos, de Olavo de Carvalho
Robinson Crusoé, de Daniel Dafoe
A Prática do Amor a Jesus Cristo, de Santo Afonso de Ligório
Crime e Castigo, de Dostoievski
Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski
O Idiota, de Dostoievski
Os Demônios, de Dostoiévski
Pensar na Idade Média, de Alain de Libera
O Homem que foi Quinta-Feira, de Chesterton
El Amor o la Força del Sino, de G. K. Chesterton
Doze Tipos, de G. K. Chesterton,
Sabedoria Tradicional e Supertições Modernas, de Martin Lings
A Arte Sagrada de Shakespeare, de Martin Lings
A Educação Segundo a Filosofia Perene, organizado pelo prof. Donato, do grupo Pró-Vida
A Vida Intelectual, de Sertillanges
A Inquisição em Seu Mundo, de João Bernadino Gonzaga
A Idéia da Fenomenologia, de Husserl
Deus e a Filosofia, de Étienne Gilson
Que é Filosofia?, de Ortega y Gasset
Escolha e Sobrevivência, de Ângelo Monteiro
A Igreja e o Novo Mundo, de Alceu Amoroso Lima
As Cidades da Idade Média, de Henri Pirenne
Tempos Modernos, de Paul Johnson
A Nova Riqueza das Nações, de Guy Sorman
A Consciência Conservadora no Brasil, de Paulo Mercadante
O Espírito das Revoluções, de J.O. de Meira Penna
Opção Preferencial Pela Riqueza, de J. O. Meira Penna
Em Berço Esplêndido, de J. O. Meira Penna
Um Espectador Engajado, de Raymond Aron
Gramáticas da Criação, de George Steiner
Luz Sobre a Idade Média, de Régine Pernoud
O Espírito do Capitalismo Democrático, de Michael Novak
História da Filosofia Moderna, de Sofia Vanni Rovghi
A Demanda do Santo Graal, de Fabio Ulanin
Impressões e Provas, de John Dunning
Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift
Os Irmãos Corsos, de Alexandre Dumas
O Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo
Sob o Signo de Jonas, de Thomas Merton
Sallambô, de Flaubert
Trois Contes, de Flaubert
Prosa do Observatório, de Júlio Cortazar
Introdução Geral à Filosofia, de Jacques Maritain
A Igreja de Cristo , de Jacques Maritain
Da Graça e da Humanidade de Jesus, de Jacques Maritain
Caminhos para Deus, de Jacques Maritain
As Grandes Amizades, de Raissa Maritain
S. Bernardo de Claraval, de Albe J. Luddy
Inteligência e Pecado em S. Tomás de Aquino, de Celestino Pires
Auto de Fé, de Canetti
A Rebelião das Massas, de Ortega y Gasset
Dom casmurro, de Machado de Assis
Brás Cubas, de Machado de Assis
A Coleção Particular, de Perec
Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde, de Mário de Carvalho
A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho, de Mário de Carvalho
Era Bom que Trocássemos umas Idéias sobre o Assunto, de Mário de Carvalho
Os Três Últimos Dias de Fernando Pessoa, de Antonio Tabucchi
Réquiem, de Antonio Tabucchi
Sonhos dos sonhos, de Antonio Tabucchi
Hídrias, de Dora Ferreira da Silva
Sermões, do Padre Antônio Vieira
A Bíblia Sagrada
* Faltam os livros citados por Alfredo Votta, que estarão completando a lista em breve.

quarta-feira, junho 22, 2005



por Mauricio Amaral



“Tendo chegado rapidamente ao termo, percorreu uma longa carreira. Sua alma era agradável ao Senhor, e é por isso que ele o retirou depressa do meio da perversidade”.
Livro da Sabedoria 4, 13-14.


Às vezes, é assim que acontece: a onda imensa e devastadora vem em forma de fato banal, como um acidente de carro. Não obstante, o seu rastro é o mesmo da tsunami: desolação, dor e perplexidade. As vidas que ficam perdem parte preciosa da sua substância, algo que lhes modifica a órbita natural.

Luciano possuía qualidades que o tornavam uma pessoa singular. Não há ninguém mais que saiba de cabeça todas as placas de carro dos parentes, amigos e ainda muitas outras de meros conhecidos. Também não é comum encontrar quem saiba calcular os dígitos de controle dos números de CPF. Nem tampouco quem tenha um olfato tão desenvolvido, capaz de identificar, às cegas, quase todos os perfumes existentes em uma importadora qualquer. Não há notícia de pessoa que fosse tão amada, unanimemente. No dizer carinhoso de um amigo, que não cansava de repetir apertando-lhe as bochechas, era o nosso “brigadeiro”, presente em todas as festas.

Embora muito peculiares, entretanto, estas características não eram o fator mais importante na sua distinção de outras tantas pessoas especiais. Havia algo mais grandioso a envolvê-lo, um mistério que ainda hoje permanece selado. Sobre isto, a feliz definição partiu de outro amigo: “ele tinha tempo para todo mundo”.

Como fosse querido, popular e solicitado, possuía vários núcleos de amizade. Cada um com suas preferências e programas específicos: jogar bola, malhar, jantar, viajar, comer caranguejo, ir à praia, festas, carnaval. Como ponto de interseção, ele fazia o absurdo: estava em todos. Não dispensava encontro, nem frustrava ninguém. No máximo, precisava arrumar uma desculpa para eventual atraso, coisa que fazia com um sorriso capaz de destruir qualquer aborrecimento decorrente da sua demora, por maior que tivesse sido ela.

Essa centelha de ubiqüidade, Luciano partiu sem explicar nem dividir. Até porque, mesmo arrastado pela onda, certamente, fez questão de devolvê-la intacta Àquele de quem a recebeu: o Pai Eterno, cuja face ele já há de contemplar.

domingo, junho 19, 2005



por Adalberto de Queiroz



Fecho os Sermões de Vieira e abro o jornal diário. Melhor que não o fizesse. É uma troca imposta pelas manchetes da imprensa, um impositivo da realidade diária, pois que nos cobram atualidade nas conversas entre amigos, colegas de trabalho e parentes - esquecidos que somos todos do passado recente. É preciso, pois, que a crônica do cotidiano defina o tom dessas conversas mas não se esqueça do grande rio da história contínuo e caudaloso, que vai arrastando a todos os atores de primeira ou de segunda grandeza.

O cronista vê o caso dessas duas cartas que o diário exibe em manchete, após a queda do ministro José Dirceu, como o terreno próprio para que se exerça uma análise imparcial e se compare o episódio com o que deveria ser o comportamento esperado de personagens que fundaram seu discurso político sobre a sagrada palavra ‘esperança’, naturalmente, sem mostrarem entendimento sobre a verdadeira Esperança. O homem que cai é ‘peixe grande’ comenta um amigo. É o ex-guerrilheiro feito primeiro-ministro que fala ao operário feito presidente – movidos ambos pelo desejo de responder às acusações de corrupção que invadem o parlamento e as conversas diárias de toda a gente. O presidente aceita a demissão do ministro também em carta pública. Ambas as cartas viram de pronto material de mídia desde a origem, como se fossem escritas para ser publicadas, como num texto de ópera bufa, peças a conduzir a comunicação de toda a mídia, ansiosa por informação pronta, portátil, mastigada para um público ávido de informação que não exija nterpretação.

Não é sem razão que pensamos no nome do movimento em que os personagens dessa ópera bufa conduziram em toda a vida político-partidária: articulação. Para o leitor atento tudo está articulado para funcionar como uma grande máquina de marketing, em que se contrói e se descontrói. Lendo as cartas, os leitores encontrarão, aliás, a referência explícita à “tentativa de desconstruir a nossa história”, em que o autor da carta posa de vítima – como se estivéssemos diante de uma tese de marketing (demarketing ou unselling) e não de uma questão ética.

Mostra a prática republicana que estes que agora têm a responsabilidade de dirigir nunca estiveram tão desarticulados, em relação a uma série de questões de gestão do estado. Eis que tentam promover uma saída articulada do ministro todo-poderoso (plenipotenciário) em meio às enormes atribulações causadas pelas acusações de corrupção envolvendo “peixes grandes”, tão poderosos na República.

E onde estão os que deveriam imprecar contra os vícios e exaltar as virtudes?

Padre Vieira em seu sermão aos Peixes, cansado de tentar falar aos homens, dirige-se aos peixes, com o desconsolo de saber que “gente pode ser peixe que se não há de converter”. O cronista indeciso sobre o que dizer diante da ópera midiática, recorre ao pregador, desolado com a ausência de profetas na mesma terra em que pregava Vieira:

“Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa da corrupção? Ou é porque o sal não salga ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal!”

Permitindo-nos comparar os homens aos peixes, ressaltando que estes são melhores ouvintes, Vieira primeiro exalta suas virtudes, para depois açoitar-nos os vícios, quando deita-lhes repreensão, como deveria este cronista sem inspiração pessoal repetir a seus parcos leitores: “grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior” e citando Santo Agostinho, repetir com Vieira: “os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros”. Ou, ainda numa metáfora zoólogica poderia concluir com o pregador: ‘são piores os homens que os corvos’. Eis a carnificina que a realidade impõe ao cronista, diante do espetáculo dos atores políticos diante das câmeras de TV.

Como espectador dos atos encenados e a encenar, eis a conclusão: os corvos estão de novo soltos em nossa terra, digladiando por moedas de prata supostamente situadas em bocas de peixes pequenos, médios e grandes. A República se pergunta se alguém morrerá com o “alheio atravessado na garganta” como na história do peixe que São Pedro pesca com a moeda de prata presa à garganta.

Lembremos de Padre Antonio Vieira:

“Mandou Cristo a São Pedro que fosse pescar, e que na boca do primeiro peixe que tomasse, acharia uma moeda, com que pagar certo tributo. Se Pedro havia de tomar mais peixe que este, suposto que ele era o primeiro, do preço dele e dos outros podia fazer o dinheiro com que pagar aquele tributo, que era de uma só moeda de prata, e de pouco peso. Com que mistério manda logo o Senhor que se tire da boca deste peixe, e que seja ele o que morra primeiro que os demais?”.

Estais atentos, diz o pregador, “os peixes não batem moeda no fundo do mar, nem têm contratos com os homens, donde lhes possa vir dinheiro; logo, a moeda que este peixe tinha engolido, era de algum navio que fizera naufrágio naqueles mares...”

Felizes são os peixes, chega aos ouvidos do cronista, emulando a mais funda infância de sua filhinha, que lendo essas linhas mal costuradas, imagina o cronista como lançando as mesmas redes que o pescador inepto tentasse lançar ao mar de conhecimento em que navega. Infelizes são os homens, deveria essas linhas conter, posto que fundadas no mais exato sentimento de revolta e asco diante da realidade de seu país. Sim, revolta, asco que se unem ao sentimento de decepção e juntos dão a tônica dos dias atuais diante dos brasileiros que se dispõem à leitura do jornal diário... Melhor seria voltar ao velho e sábio Vieira e renunciar à articulação de tão perniciosa realidade.

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